O jogo de Serra e Lula
A crise financeira mundial pode mover peças centrais do jogo político de 2010
A crise financeira internacional, que começa a atingir com mais intensidade a economia brasileira, deve influenciar as eleições de 2010. Se for contida entre o final de 2008 e o primeiro semestre de 2009, com o governo dos Estados Unidos tranqüilizando o mercado, dando-lhe garantia de continuidade, a influência será menor. Entretanto, se salva um setor do mercado, o financeiro, o plano americano não vai evitar a recessão, assegura o economista James Galbraith, filho do keynesiano John Kenneth Galbraith. A recessão americana afeta diretamente o Brasil, um de seus parceiros comerciais. Num quadro de crise financeira espraiada, as eleições de 2010 se darão num patamar certamente diferenciado. Atentos, os políticos vão trabalhar com a possibilidade de dois cenários: o de crise acentuada e o de crise mais leve. Ao mesmo tempo, vão trabalhar para, desde já, ampliar suas alianças políticas.
Há dois estrategistas montando jogos complexos e perceptivos. De um lado, o governador de São Paulo, José Serra. O tucano paulista definiu, por exclusão, seu aliado preferencial, o DEM do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Ao cristianizar Geraldo Alckmin, trocando-o por Kassab, Serra deu seu recado ao mercado político: é leal às alianças, cortando na própria carne do PSDB que se rebela contra seu projeto de retomada do poder e apoiando o DEM para prefeito da capital financeira do país. Noutras palavras, em troca do país, Serra está abrindo espaço, mais uma vez, para o DEM controlar a maior cidade brasileira (o eleitorado paulistano é o dobro do goiano). Perspicaz, Serra sabe que, para derrotar o candidato do presidente Lula da Silva, não basta ter o apoio do DEM. Por isso atraiu o “dono” do PMDB paulista, o ex-governador e empresário Orestes Quércia, para a aliança com Kassab. A aliança tem na mira a sucessão de 2010.
Parte do PMDB, por conta das pressões dos governadores, marchará com o nome indicado por Lula. Porém, se conseguir dividir o partido, rachando-o principalmente em São Paulo, Serra terá algum lucro eleitoral. O objetivo, no fundo, é “fechar” São Paulo com o tucanato, isolando o PT. Com uma habilidade insuspeitada, porque se pensava que Serra era mestre apenas em mau humor, tanto que ganhou o apelido de “Urtigão careca”, o governador aproximou-se de Aécio Neves. O governador de Minas Gerais conversou com o PMDB, articulou com o PT, mas descobriu que seu caminho, pelo menos por enquanto, é permanecer no PSDB, ainda que sem chance de disputar a Presidência da República.
Diz-se, comumente, que o vice de Serra sairá dos quadros do DEM. Pode ser uma interpretação equivocada, pois o DEM perdeu dimensão nacional, e tem apenas um governador, José Roberto Arruda, do Distrito Federal. Mais, ao obter o apoio de Serra em São Paulo, Kassab e o DEM praticamente liberaram Serra para articulações noutra seara. Assim, a tendência é Serra buscar o vice no próprio PSDB. O nome mais adequado é o de Aécio Neves. Não apenas porque Aécio Neves é jovem e moderno, num contraponto com Serra, que se aproxima dos 70 anos, e sim, basicamente, porque governa Minas Gerais, faz uma gestão bem-sucedida e o Estado tem o segundo maior eleitorado do país. Juntos, São Paulo e Minas têm 60 milhões de habitantes — são um país à parte, em termos populacionais e econômicos. Separados dos outros Estados, formariam um país europeu. Então, se “fechar” São Paulo, com Serra para presidente, e Minas, com Aécio na vice, o tucanato terá meio caminho andado para derrotar “o” candidato de Lula. Resta saber se Aécio vai trocar uma eleição garantida para senador por uma incerta e complexa aventura federal. Se for real a possibilidade de a reeleição cair, com a ampliação do mandato para cinco anos, Aécio certamente se empolgará com a vice de Serra. Senão, nada feito.
O presidente Lula, assim como Serra, é um excelente jogador, até porque, ao contrário do que fez Fernando Henrique Cardoso, não precisou esquecer nada para se firmar como político nacional, num zoológico de feras vorazes e espertíssimas. Por ser hábil e atento aos ventos de possíveis mudanças, e porque sabe que sua popularidade, se tem o cadinho pessoal, o brilho do indivíduo, resulta também do crescimento saudável da economia, Lula não trabalha apenas com uma hipótese política. O jogo mais óbvio de Lula inclui sua ministra, o “poste” Dilma Rousseff, tão rígida e pão-dura quanto o famoso Carvalho Pinto, de São Paulo (conta-se que Carvalho Pinto era tão sovina que, no dia do adversário da mulher, chegava em casa e dizia: “Meu bem, hoje vamos almoçar fora; ponha a mesa no quintal”).
Tida, por muitos, como uma espécie de bedel de escola que escapou para a política, Dilma eventualmente sorri, raramente ri e jamais gargalha. “Meu nome é trabalho e bronca” parece ser o lema de sua vida. Mas sua “alma” técnica, fazendo um contraponto com Serra, pode ser um trunfo articulado por Lula, com base em pesquisas de opinião e sondagens no meio empresarial. O jogo de Lula é mais ou menos este: entra com uma jogadora com certas qualidades do adversário (o discurso tecnocrático), Serra, e o técnico, o próprio Lula, vai tentar fazer a diferença, com seus altos índices de popularidade.
Sabe-se que nem Getúlio Vargas e Juscelino Kubitschek foram tão populares quanto o surpreendente Lula, “gente como a gente”, diz a voz candente das ruas. Se não tem cultura livresca cultura que, por sinal, não ajudou o pedante Fernando Henrique Cardoso a governar bem , Lula nada tem de néscio e tem a rara habilidade de apreender os sentimentos da sociedade e canalizá-los.
O sucesso do presidente resulta, em grande parte, do fato de saber traduzir os sentimentos populares. Note-se as broncas freqüentes que tem dado na seleção brasileira de futebol. Diz exatamente aquilo que o taxista Ademar comenta com o barbeiro Ruimar. Como não quer mudar o povo, e sim capturar sua voz e manipulá-la, Lula entende como ninguém os humores das ruas. Por isso, se perceber que Dilma não sai do lugar, por conta de seu estilo de bedel de colégio, Lula vai jogar noutro campo.
fonte: jornal Opção 13/10/08Pedro Bueno