sexta-feira, 27 de junho de 2008

BRASIL CAIPIRA - ZUENIR VENTURA.




Há os que escrevem em nossa imprensa que nos prendem todos os dias, na leitura de seus comentários, sempre cheios de coisas delicadas e boas, já que no restante de um jornal, só temos coisas que dão manchetes vendedoras, mas de pouco bom gosto.
Zuenir Ventura, Hélio Gáspere, são daqueles que mesmo não concordando em tudo, mas são os que prefiro ler para aprender.
SEM A PERMISSÃO DE ZUENIR VEJA SUA MATÉRIA DE 25 DE JUNHO DE 2008 - O GLOBO.
Quando a gente viaja por algumas regiões, como tenho feito, nota que um novo "mapa" do Brasil está sendo redesenhado. Ele é chamado de "Brasil rural", "sertanejo", ou, com um certo desprezo preconceituoso, de "Brasil caipira". A economia já é capaz de mostrá-lo com números e dados, e um jornal estrangeiro disse que ele está trocando nossos estereótipos: "O país do carnaval, do samba, do futebol, do café, da caipirinha já tem outro símbolo por bandeira: a cana de açúcar". Só falta um mergulho do repórter José Casado e uma das sacações de Roberto Damatta o que uma crônica impressionista com esta não consegue: as dimensões antropológicas s culturais do fenômeno.
Esse mundo do "interior" (o centro somos nós, claro) não tem nada a ver com os hábitos da época do jeca-tatu e nem com a proposta hippie de volta nostálgica ("quero uma casa no campo"). Ele está conectado com a cidade, dispoe de uma oferta cultural variada e pratica de consumo ecletico. Há uma elite que acessa a Internet, vê filmes em DVD, compra livros e frequenta restaurantes sofisticados. Numa noite ouvi em Ribeirão Preto a multidão na praça cantando orgulhosa "Romaria" com Renato Teixeira ("Sou caipira , porapora"), e dois dias depois, em Goiana, assisti um show de Bossa Nova num teatro de 800 lugares, superlotado. Miele, Leni Andrade, Fernanda Tokal, Toquinho, quase não precisaram cantar. O público fazia por eles, inclusive quando eram 74 versos, como em "Aquadrela" ("Numa folha qualquer/eu desenho um sol amarelo"). Ver o teatro entoar a música e Toquinho, o autor com Vinicius, acompanhar apenas com gestos, foi um espetáculo à parte. As pessoas riam das histórias de Miele sobre Bossa Nova com intimidade de quem morasse em Ipanema ou Leblon.
No dia seguinte, lendo num jornal local que "a carne brasileira alimentará o mundo", aprendi que as nossas exportações de "proteínas vermelha" para de 150 países saltaram em dez anos de 370 mil toneladas para 1,5 milhão. Almoçando com jovens professores, pude discutir questões da atualidade artística e cultural. O nosso etnocentrismo metido a besta se surpreende com isso, e às vezes tem vontade de dizer "que pena", quando a menina linda de minissaia, parecendo saída de uma novela urbana da Globo, pronuncia "voilrta" e " poirita".
De noite falei num auditório de mil lugares para alunos do Colégio Visão. Mais de duas horas não foram suficientes para atender à curiosidade insaciável daqueles adolescentes que queriam saber tudo sobre 1968, o país, a juventude, o jornalismo, a nova ordem mundial e, acreditem, a política.
Não sei no que vai dar esse novo ciclo de açúcar e da carne, mas vale a pena desviar um pouco o olhar de Sul-Maravilha e prestar atenção no "Brasil caipira". Há vida inteligente, além de rica, fora do eixo Rio -São Paulo.
Obrigado Zuenir
Pedro Bueno
Saiba viver melhor lendo o que outros escrevem para você saber mais do que pensa que sabe. Pedro Bueno

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